12 de ago. de 2014

Poema de Sete Anátemas

Quando eu nasci, um boçal com voz de radialista
Desses efusivos que tudo tornam mais intenso
Disse: Vai, Ana! Ser zicada na vida.

E as casas nunca me foram aconchegantes;
E eu espiei homens - que eu quis - irem atrás de outras mulheres - que não eu;
E nunca gostei de dias azuis tampouco realizei metade dos meus desejos.
Vai, Ana! Rir da desgraça que te acompanha.

E o coletivo cheio de pernas, braços e cheiro de desodorante;
E o motorista correndo e o cobrador no telefone e eu?
E eu lá, né? Perguntando para que tanto perrengue, meu Deus
Porém meus olhos não perdiam nada - cheio de gente feliz à minha volta
Ouço no fundo o radialista: Vai, Ana! Dar o pão e receber migalhas.

O homem - o boçal narrando minha vida - é irreverente e insensível
Quase não deixa escapar um escorregão meu que já aponta lá de cima:
Vai, Ana! Vai ter raros, pouquíssimos amigos.
Sempre ouço ao fundo o riso jocoso do radialista.

Meu Deus, por que diabos ele não me abandona?
Se sabe que no dia dos meus anos já fui fadada ao erro
Se sabe que cada passo meu é uma piada para a plateia que me rodeia
Vai, Ana! Vai cagada mas vai!

Mundo mundo vasto mundo
Se agarrasse o radialista pelo rabo e o puxasse pra baixo
Seria mais um pedaço do espetáculo e não uma solução
Porque eu sei bem o que ele diria:
Vai, Ana! Diverte-nos mais!

Eu não devia te dizer
Mas essa zica
Mas esse narrador que acompanha minha vida
Botam o tal do anjo torto do Drummond no chinelo.




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