14 de mai. de 2014

Ensaio de epílogo



Não aceito frases feitas. Não quero um ombro pra chorar, não quero que um sorriso  seja carimbado em meu rosto que está prestes a rachar. Eu quero ficar aqui onde me sinto segura, jogar tudo que é meu no chão, tudo que um dia já te tocou e ficar ali. Morrer sufocada em cheiros e lágrimas, esmagada por tantas lembranças. Quero engasgar no grito mais alto, aquele que agregaria todos os que já sufoquei e minha vida consigo.
Me embriaguei em minhas próprias lágrimas e confesso, desejo que nessa tontura meus pés se embaralhem, que minha existência escorregue, minha têmpora na quina da mesa, minhas angústias espalhadas no chão de lágrimas e o coração dormente. Quero a vida passando atrás dos olhos, com gosto pulsante na língua de quem já não tem mais saliva, de quem já não tem mais fluído, fluiu da vida.
Não suporto o peso, o meu e da alma, o da alma e o da memória. Há algo errado aqui, estou descompensada, minha passada é descompassada e meu coração pulsa com preguiça, implorando parar. Eu aperto o peito com os punhos, quisera com os dentes! Morder a ferida, provar o gosto do que me mata pouco a pouco, engolir o chorume que corre em mim, envenenar-me com meu próprio betume, viscoso de angústia, a tomar posse da minha existência.
Fico em pé na margem da vida - eu não sei se essa altura bastaria, eu não sei o que me aguarda - balançando, contando quantas vezes eu cheguei perto de partir. Contando com a possibilidade de algum rosto conhecido aparecer sob meu epílogo, de me gritar algum verso querido, convencer-me de que um prólogo novo é possível e as linhas que borrei com lágrimas podem ser refeitas, revisadas e que eu posso visitá-las, sem querer despedaçar meu passado. Sem querer despedaçar-me no chão embaixo da minha janela.
Continuo engolindo tudo que me oferecem, continuo ingerindo vida na esperança de regurgitar a minha própria… De ver enfim o que me consome por dentro, ou morrer tentando.

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