Enquanto recortava revistas em quadrinhos, com os dedos escamando cola branca, ouvi no cômodo ao lado um baque abafado por um choro que me pungiu o peito. A pequena estabacou-se outra vez, tadinha... Fui ao seu encontro e a vejo ali, com as mãozinhas brancas no joelho levemente dobrado, já engolindo choro e olhando a quina da porta com uma raiva encantadora; com os olhos ainda inundados e o rosto todo vermelho ela me conta, injustiçada:
- Bati o joelho!
Peguei-a no colo, comovida como poucas vezes na vida - todas à pequena relacionadas - e perguntei-lhe baixinho, sabendo que assim ela prestaria mais atenção em mim do que no joelho coitado:
- Qual deles, o esquerdo ou o direito?
- Direito
Sempre me encanta esse jeitinho dela pronunciar o "r", imitando um motorzinho. Beijei então propositalmente o joelho esquerdo e, assustada, respondeu dando um pulinho em meus braços:
- É o outro!!!
- Ah, é?! Obrigada! Quase errei, hein?!
Ela não respondeu mas torceu a cara tentando conter o sorriso satisfeito que esboçou. Beijei o joelho direito e a colocando no chão não dei tempo para que voltasse a prestar atenção na dor, continuei:
- Mas você tá mais esperta que a mamãe! Já sabe até o que é direito e o que é esquerdo! Eu esqueço sempre!
Já menos vermelha e sorridente ela disse que dali pra frente eu poderia perguntar quando quisesse, porque ela me lembraria caso esquecesse qual lado é qual, enquanto virou-se desengonçada e foi em direção ao quarto com o rabicó no alto da cabeça balançando, e a blusinha de gola rolê listrada dando sinais de que já estava pequena. Havia tanto nela de mim.
30 de set. de 2014
25 de set. de 2014
Trago prúrido
Da noite prima o trago último
Doors preenche o ar que mordo
Encaro aguda meu estorvo:
O vazio preenche o peito morto
Enceno aflita o ápice de meu malogro:
Doors preenche o ar que mordo
Encaro aguda meu estorvo:
- És tu, O corvo?! Não! És dos males étimo;Dos tragos o queimar último
Do meu rio o delta; das arrematações a mais grave;
Do meu verão a mais severa tempestade! És tu!
O vazio preenche o peito morto
Enceno aflita o ápice de meu malogro:
- NUNCA MAIS!
2.
Quando fazes assim, me dizes com tanta nitidez o que te aflige, quebra-me um por um os ossos já fracos, por luto meu deteriorados. Eu, que outrora encarei demônios aos teus tão semelhantes e sujei as mãos de sangue - meu e daqueles cá dentro com quem lutei, vejo-me impotente, descalibrada. Perceber em ti nuances de todo meu penar, identificar nos teus predicados sílabas que já compuseram os meus, desola-me a alma e prostro-me estéril: incapaz de gerar no âmago qualquer ação que poderia, porventura, abrandar teus mares, que fantasio vez ou outra navegar.
Assinado, Eu.
Sinto-me tal qual aleijada, quero envolver-te e arrancar nas unhas cada ensaio de frase continente de tristeza que em ti habita, mas os braços não obedecessem e por fim, ao fitar-me os braços, vejo-me desprovida deles. Meus membros de nada te valem neste momento, pois só os teus poderão com efeito sacudir a poeira sórdida que o envolve. Permaneço figurante da batalha tua, ali no canto, ainda fitando os braços, ainda querendo movê-los, ainda frustrada ao ver que não obtenho sucesso. Reduzi-me à tarefa de acompanhar-te, a observar de longe e a torcer as entranhas em uma força desumana a fim de que minhas intenções te sejam proveitosas. Mas juro que se o pudesse, tomaria tuas aflições todas e as aniquilaria, uma à uma, sozinha.
A dor tua me punge o peito; quero que o saiba e quero que o sinta sincero. Mantenho-me, como sempre estive: discretamente presente, te esperando só braços e afeto, para abraçar-te quando a maré baixar ou só quando no abraço meu quiser atracar. Tens aqui uma amiga, o juro.
A dor tua me punge o peito; quero que o saiba e quero que o sinta sincero. Mantenho-me, como sempre estive: discretamente presente, te esperando só braços e afeto, para abraçar-te quando a maré baixar ou só quando no abraço meu quiser atracar. Tens aqui uma amiga, o juro.
Assinado, Eu.
19 de set. de 2014
1.
Inspiro desesperadamente e tento conter os braços de erguerem-se na frustrante tentativa de tanger com a ponta dos dedos qualquer rastro de lucidez; expiro já cansada, tamanho esforço que esta tarefa, incessante e ritmada, exige da minha pessoa há muito abatida pelo vagaroso passar dos anos.
Vejo-me no centro de um alvo, em tons de cinza, com o cenho tenso e olhos espremidos, aguardando sei rumar há tempos em direção ao centro do meu peito: o centro do erro. Por trás das pálpebras cerradas, reviro os olhos para a testa onde desenhei um ponto de interrogação que veste-se de alternadas cores fosforescentes, pulsando, na tentativa de incomodar-me com intensidade tal que uma resposta concreta surgiria imediatamente em minha cabeça, em uma célebre performance analógica aos primórdios da existência: Um Big Bang pessoal, íntimo e secreto. E saberia então o que fazer com tamanho desejo em meu corpo sólido, estático e criptografadado: na pele metálica jazem dezenas de súplicas que urgem a qualquer estímulo mundano que remeta a existência do meu objeto de maior estima e também algoz.
É, pois, das torturas a mãe, esta tarefa à mim designada: Calar toda e qualquer palavra afetuosa que me sobe a garganta; amarrar os braços que insistem em esticar-se ao ver na minha frente tudo que me inspira o mais belo e grotesco dos sentimentos. Grito em silêncio, por meus anseios humilhada, fadada a contentar-me com seja lá o que for que estás disposto a oferecer-me, pois, até migalhas de carinho causam-me a mais plena, mesmo que efêmera, alegria. E sigo assim... aproveitando esses momentos do mais puro júbilo que é capaz de tomar-me todo o ser pelas mãos quando os fonemas que compõe meu nome irradiam do céu da tua boca, até mesmo quando o pronuncias errado, por graça.
Não julgo-me dotada da força e sobretudo coragem que me seriam necessários para entregar-te cada uma das palavras que escondida te dedico. Reina aqui o medo de perder os poucos privilégios que me concede, há pavor de assustar-te tanto que resolvas partir. Duelam em mim a mais desesperada urgência de fazer-te ciente de tudo que à mim causa, e o mais colossal dos medos, que paralisa-me toda vez que me percebo prestes a ceder aos desejos que assomam e me gritam ao menor dos contatos. Surpreendo-me às vezes tranquila, nos raros momentos isentos da tua lembrança, mas basta-me a menor menção da tua presença para que me enxergue novamente prostrada imóvel, capaz apenas de assistir esse duelo de supremas forças em meu peito. Sei bem do desespero que evidenciaria se lhe entregasse, assim claro e límpido, o conjunto de orações que exprimem o que sinto. Mas o juro ser puro! E o juro ser imbatível nesta batalha que decidi travar contra minhas urgências.
Controlo-me e imprimo o maior dos esforços para não transparecer o quanto o quero e o que sinto e julgo-me a maior das covardes por não ter a força que me é exigida para abrir-me tal qual escrevo ou partir de vez... Pois se é iminente o ter de suprimir tudo que aqui há, se cedo ou tarde terei de encarar a necessidade de extinguir o que sinto, não vejo mais - mesmo que me convença, todos os dias, a fazê-lo - por quê fingir que em mim não habita o indizível. Permaneço ainda fraca e medrosa: contento-me da mais melancólica maneira com a amizade que me ofereces, a qual sinceramente aprecio com cada centímetro da minha existência. Ridícula que sou e sinto, aceito-a de bom grado e guardo como a um tesouro qualquer gesto afetuoso que por ventura possa vir a dirigir-me.
Assinado, Eu.
18 de set. de 2014
Métodos
Quis beijar mas soletrei
Quis gritar mas pontuei
Quis amar mas registrei
Não há mais possibilidade
Configurei-me dissimulada
Exalo sublime estabilidade
Escolhi dizer-te o nada
Não há mais pulso aqui:
Há letra seguida de letra
Linha posta sob linha
Fiz do amor no peito toda a obra minha.
Quis gritar mas pontuei
Quis amar mas registrei
Não há mais possibilidade
Configurei-me dissimulada
Exalo sublime estabilidade
Escolhi dizer-te o nada
Não há mais pulso aqui:
Há letra seguida de letra
Linha posta sob linha
Fiz do amor no peito toda a obra minha.
Ínterim - a ti - cadente
E amarras o cabelo
E amarro a línguaE cruzo os dedos
E cruzas os braços
E prendes o corpoE magnetiza os ossos
E prendo meu diafragma
E magnetizo os olhosE mastigação exaustiva
E pungente na gengiva
E corre na salivaE olho pra cima
E encaro os sapatos
E amarras o cabelo
Deslizes
A cada segundo o ponteiro caminha
Eu mesma ando em ritmo marcado
Vez ou outra fragmentada
Ando sozinha até quando acompanhada
Temo irredutível o não-singular
Nesta espiral tétrica desço em admiração sagrada
E não renuncio a escolha
E não largo o osso
E mesmo tolhida de braços
Compassada sozinha sigo
Cedendo do todo amiúde o subjetivo
Que escapa-me autônomo e vai ter contigo.
Eu mesma ando em ritmo marcado
Vez ou outra fragmentada
Ando sozinha até quando acompanhada
Temo irredutível o não-singular
Nesta espiral tétrica desço em admiração sagrada
E não renuncio a escolha
E não largo o osso
E mesmo tolhida de braços
Compassada sozinha sigo
Cedendo do todo amiúde o subjetivo
Que escapa-me autônomo e vai ter contigo.
15 de set. de 2014
Há cá uma garota. Parte I
TRIGGER WARNING: Auto-mutilação. Esse post não tem a intenção de promover nem exaltar a prática, é apenas um relato poético. Não leia caso possa provocar a urgência de mutilar-se.
Astro
Como a lua dança, rodeiam-me teus olhos de água turva
Como as fases da lua teus rodeios desaguam-me os olhos
Danço minguante sob a lua nova e no peito amor crescente
Na alma crateras fruto de minhas quimeras, de nos seus braços
Ver-me cadente.
Como as fases da lua teus rodeios desaguam-me os olhos
Danço minguante sob a lua nova e no peito amor crescente
Na alma crateras fruto de minhas quimeras, de nos seus braços
Ver-me cadente.
Vermelho, azul e preto.
Vermelho de sangue, do pulso nas veias, de tesão! De punho cerrado a conter os dedos apontados todos para o teu corpo. Vermelho de fogo, ardendo as entranhas, inflamando a gengiva que agarra os dentes mordendo a língua que procura a tua.
Azul de ternura, de alma doce, sorriso sincero, adormecer em paz nos teus braços ternos. Azul de paixão mansa, inundada em um mar de beijos macios em boca tranquila por repousar absorta em tua companhia.
Preto pela bifurcação, por tatear no escuro em caminhos inconstantes deste meu coração. Preto pelo luto da lucidez, pela divisão do desejo: encontrei em duas partes distintas o resumo do meu querer sublime.
14 de set. de 2014
Confirmou-se o fim daquilo que eu sozinha comecei. Não vislumbrei sequer a chance de cruzar a linha de chegada, interromperam-me em meio ao caminho tortuoso e obscuro que são teus sinais oblíquos. Tampouco degustei-te o suficiente para manter nos lábios o sabor dos teus! Rumei ainda assim a trilha, abaladiça e ofegante, com os pés ardendo e os ombros mais pesados a cada curva. Escureceu e a lua não se fez presente, sumi e murchei. Não havia mais como seguir, sem uma luz amiga para que me guiasse, deitei no chão e ali fiquei. Aceitei o frio assomando, enquanto anseava o teu calor que não conheci... O escuro, a dúvida, a fadiga e o desamor, acolhi-os todos e agora só resta esperar amanhecer, para que eu possa enxergar e assim voltar a caminhar, fora dos caminhos teus.
12 de set. de 2014
Na aula de gramática
Craseamos cúmplices um flerte discreto
Olhar metonímea de absoluto afeto
Sorteei-te um ou outro verbo
Ocultando de um beijo desejo secreto
Paradigma injusto nosso predicado
Transitiva, eu rumo só no enunciado
Em ironia histérica te desprezo
Há enciclopédias no teu falar monossilábico
Agonizo em tamanha ambiguidade
Soletro olhares aglutinados, soslaios
Compartilhamos suspeitos a supresão da vontade
Olhar metonímea de absoluto afeto
Sorteei-te um ou outro verbo
Ocultando de um beijo desejo secreto
Paradigma injusto nosso predicado
Transitiva, eu rumo só no enunciado
Em ironia histérica te desprezo
Há enciclopédias no teu falar monossilábico
Agonizo em tamanha ambiguidade
Soletro olhares aglutinados, soslaios
Compartilhamos suspeitos a supresão da vontade
10 de set. de 2014
Meu Urso
Meu urso é alvo, virado em um gigante sorridente
Olha-me de cima e com um par de mãos enormes
Enlaça-me a cintura e me cobre dos pés à cabeça
Meu corpinho pequenino pequenando sob o dele.
Por sobre os ombros para mim quase inalcançáveis
Descanso os braços enquanto equilibro-me tonta
Sobre meus pés de moça, ambos curvos, entregues
Perto dele e para ele só fica no chão do pé a ponta.
Quem o vê o pensa pardo, perigoso
Mas eu o sei: dentre todos os ursos
É de longe o mais carinhoso.
Mas eu o sei: dentre todos os ursos
É de longe o mais carinhoso.
Fofure
Caminhei lentamente até o batente da porta, meu corpo macilento me encara de volta no brilho da maçaneta e após duas baforadas eu dei um passo a frente. Em casa, enfim. Meu primeiro impulso foi jogar as roupas pela casa, rumar já despida até o chuveiro e me desfazer sob a água gelada... Pisquei. Em um piscar encontrei-me na varanda, acendendo um cigarro e cantando a minha música favorita daquela sua banda favorita. Pisei em casa mas a sola do meu pé ainda está colada na tua, de número 47. Eu sinto o azulejo gelado mas quando olho para baixo só vejo pés e cama, um relógio parado me encarando de volta. Murmurando, repeti:
- Você tá tão cheiroso! Volta aqui!
Agora só tem vento, cheiro de cigarro e chão gelado. Não da para esticar os braços e te alcançar, não da para te puxar de volta para cama, já não posso fazer um bico e te implorar com os olhos para enrolarmos mais um pouquinho. Eu já estou em casa mas ainda estou no teu quarto; ainda te sinto cheiroso e ainda quero que volte. Olho pro céu, da varanda, daqui não dá para arrumar as listras mas eu posso fingir.
9 de set. de 2014
Um rei sem coroa.
Um beijo, dois beijos, três, quatro, cinco...
Beijei-lhe o corpo todo enquanto despido
Estirava-se ao meu lado, dormindo.
Os olhos, os ombros, o queixo e as mãos
Marquei-o todo no toque da boca
Amamo-nos como amantes e hoje irmãos
Reviro-lhe os cabelos de criança, tão finos
Mergulho nas suas pupilas bem abertas
Eu o perdi durante esses meses, menino
Você mudou e eu cresci, não ouvi sua voz
Fitei seus ombros marcados, como a giz
Me vi nos seus rasgos, nas suas pupilas,
Vi-o abrindo o corpo como um dia eu fiz
Não ouvi sua voz, aquela que você fazia para eu me rir
Dormi com seu carinho, aquele cafuné na conchinha
Igual ao da noite em que eu ri da sua voz na vez primeira
Igual ao da noite em que acordei ao seu lado doída inteira
Despedi-me com um beijo forte, estalado
Abracei-o sofrendo, mais que nunca apertado
Meu amigo, amante, meu rei... o vi de costas hoje
O vi partindo, destronado.
- Eu te amo.
- Eu também te amo muito.
- Cê tá ligado que eu te amo bem mais?
- Eu tô derretendo em você, me abraça mais forte!
Beijei-lhe o corpo todo enquanto despido
Estirava-se ao meu lado, dormindo.
Os olhos, os ombros, o queixo e as mãos
Marquei-o todo no toque da boca
Amamo-nos como amantes e hoje irmãos
Reviro-lhe os cabelos de criança, tão finos
Mergulho nas suas pupilas bem abertas
Eu o perdi durante esses meses, menino
Você mudou e eu cresci, não ouvi sua voz
Fitei seus ombros marcados, como a giz
Me vi nos seus rasgos, nas suas pupilas,
Vi-o abrindo o corpo como um dia eu fiz
Não ouvi sua voz, aquela que você fazia para eu me rir
Dormi com seu carinho, aquele cafuné na conchinha
Igual ao da noite em que eu ri da sua voz na vez primeira
Igual ao da noite em que acordei ao seu lado doída inteira
Despedi-me com um beijo forte, estalado
Abracei-o sofrendo, mais que nunca apertado
Meu amigo, amante, meu rei... o vi de costas hoje
O vi partindo, destronado.
- Eu te amo.
- Eu também te amo muito.
- Cê tá ligado que eu te amo bem mais?
- Eu tô derretendo em você, me abraça mais forte!
4 de set. de 2014
Retorno
Não custava-te nada! Sequer o menor dos esforços!
Manteve-te indevassável, impenetrável, impedaçável
Por quantas vezes estendi-te os braços e os teus, insossos?!
Pois ficava assim! Pois deixava-me expelir o intragável!
Quando há pouco a chaga fechava, pérfida latejante
E os calos amiúde incomodavam menos a passada lenta
Vieste esmagando-me o peito feito mão de gigante
Sorriste e gracejaste de modo tal que minh'alma acalenta
Falta-me a fé jurada, o sono, a paz na madrugada
Falta-me recursos para curar-me do teu vil sorrir
Da sinfonia injusta que faz tua voz desafinada.
Manteve-te indevassável, impenetrável, impedaçável
Por quantas vezes estendi-te os braços e os teus, insossos?!
Pois ficava assim! Pois deixava-me expelir o intragável!
Quando há pouco a chaga fechava, pérfida latejante
E os calos amiúde incomodavam menos a passada lenta
Vieste esmagando-me o peito feito mão de gigante
Sorriste e gracejaste de modo tal que minh'alma acalenta
Falta-me a fé jurada, o sono, a paz na madrugada
Falta-me recursos para curar-me do teu vil sorrir
Da sinfonia injusta que faz tua voz desafinada.
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