27 de out. de 2014

Eu quase nunca morro

Cada boca que eu beijei guarda um pouco da minha saliva
No caminho que trilhei tem marcada minha passada esquiva
A verdade, amado, te explico: minha existência é nada se não fluído
Esgueiro-me nos poros de quem acaricio e por lá fico
Cravo as unhas nas costas de quem amo e lá me finco
Até no soprar do vento eu de meus cabelos deixo os fios
Eu quase nunca morro, eu já lho disse!
Até mesmo no nascer de minha morte eu rogo:

Perece o corpo! Morri, quiçá... 
Na memória de quem toquei talvez, fiz lar eterno.


Palavra da Gengiva

Já tô pra bater cabeça na parede pra poder falar
Tá saindo palavra da gengiva, eu tô rangendo dente
Estalando pescoço tal qual doida pra não endoidar
Eu corro o dedo no teclado de olho estalado dormente
É preciso produzir, tem que se expressar!
Há tanto na cabeça que não cabe na língua nem sei em libras
Meu ouvido gritando que nem chaleira, meu pé entortando de ré
Há tanta coisa que não sei mais fazer palavra, eu faço sílabas
Olho de soslaio pra caneta:
vou rabiscar teu mundo com o que sai da minha veia
É preciso traduzir, nem que tenha que sangrar!




O dia em que abri a porta de trás

O chão rajado púrpura sob pés duros de gente tal qual gesso
Cercado de paredes altas imponentes isolando-me do mundo
Restando apenas um grito ensurdecedor no silêncio espesso

O chão de um Pollock Suicida, os ladrilhos tortos solidários
O alicerce da minha casa me foi sempre morno e acolhedor 
Já as paredes me sufocavam, só quadros, portas e armários

Tentei correr mas vi-me de novo no piso de meu lar algoz
"Há que abandonar esta casa de família, ha de ir sozinha!”
A porta da frente sob o pé direito alto, como da mãe a voz
Rasguei as raízes do chão, quero viver não vida tua, a minha!

Dei as costas ao hall enorme de minhas dores
Segui arfando até a porta de trás, meu último recurso
Pisando na soleira vi-me abandonar os primeiros amores
Adeus à todos, estou livre, meu destino mais que nunca obtuso.

21 de out. de 2014

Pêndulo Limítrofe

No balanço amarelo dos meus poucos anos
Olhos apertados e os punhos cravados na corrente
Eu pendo incerta, danço as pupilas atrás das pálpebras
Eu sinto o vento na face, o cabelo na testa franzida

Uma barreira entre o eu e o mundo
Os fones no ouvido, um botão de mudo

Achava mais fácil se para cada lágrima da vida
Eu pudesse retroceder um dia
Se para cada ranger do balanço amigo
Eu pudesse reaver pequena alegria

Sentindo doer os braços cansados
Desejo abraços que antes rejeitados

É incerto se quando menor era melhor
Se sofri menos ou mais: nos capítulos do meu viver
Houve sempre uma constante, sem motivo aparente
Sempre que fitei-me a fundo percebi-me sofrer

O que há de errado na minha cabeça? Personalidade limítrofe.
Limite entre o que e o que? O diagnóstico uma epígrafe
Sempre aqui a companhia da "falta do quê?"
Sempre me faltou a companhia de quem me ajudasse entender

O que sou o que quero o que vivo o que sinto o que é que eu queria dizer ao escrever?!
...Gosto de balançar no balanço amarelo pra esquecer da vida.



20 de out. de 2014

Auto Parto


Ébria ao concentrar-me no próprio pulso
Torci-me até quebrar o diafragma em dois
E inalei a lava pura em sincero impulso

Queima o peito como se fosse dor
E peito a dor como se queimasse 
Tudo a que antes dediquei louvor
Ao assistir o eu que em mim nasce

Com o punho hábil torci o esôfago
Rasguei o cordão umbilical no dente
E deixei no ar um beijo sôfrego
À de meu renascimento plateia ausente

Há por aí novos ares, novos sabores
Há de reconstruir minhas papilas
Não exigir muito de novos amores
Há de rasgar mais largas as pupilas

Enxergar precisa a reconstrução de minhas cores.


Orgasmo Emocional

Encarnei como se uma última chance me fosse dada
Cravei violenta no livro de minha vida letra por letra
Recebi e imprimi em meu corpo cada vil resquício
De qualquer sensação à minha alma sedenta concedida

Fuídico, vísceral e implacável
Meu soprar de energia vital
Meu baforar úmido de satisfação

Correu-me no corpo como o sangue inflamado
Tremeu-me a alma como as rijas coxas fazem
No encontro do meu gozo terno e a tua saliva
Recebi e entreguei como se fosse a última vez

Ah! Aflita fico ao ver que no âmago desejo
Pura e sinceramente
Que não o seja!
Tô fodida!