14 de jul. de 2014

Protótipo de Pollock Suicida

   Depois de aproximadamente 120 dias eu me vi na mesma situação humilhante: em quatro apoios, esvaindo a alma em lágrimas, com um pano em mãos e fitando no reflexo do assoalho a minha imagem, meu rosto partido ao deparar-se com os restos de meu corpo rasgado. Meu sangue coagula e reparo: quanto mais tempo passa desde a sangria, mais fácil é de se limpar. Não esparrama, não mancha, só sai no pano instantaneamente. Quando é recém extraído porém, o sangue flui, escorrega na pele branca de minhas coxas e braços (irônicamente já pálidos, ansiosos cadavéricos?!) e despenca... Deixo sempre um tempo passar para que me aventure a apagar os desenhos cor púrpura que ousei respingar, assim sei que não será preciso esforço... some rápido, como eu gostaria de lidar com tudo na vida.
   Abri, mais uma vez, a pele pra chorar... Chorar pelos olhos não basta, não expressa e não expurga o que me assoma... É um ato mórbido na tentativa de me acalmar, externar a intensidade da minha dor, de colocar de forma visível para o mundo e em especial para mim que ando cega, a dimensão do quanto sofro. Sangro não só sangue, mas sangro lágrimas, gritos, desespero, agonia.
   Olho para o chão respingado e choro, choro igual a uma criança querendo a mãe... mas ironicamente, eu choro por não querer a minha. Rejeito o colo que me foi dado... sinto-me em uma cama de pregos. Deveria ser o meu refúgio... mas se o é por que tanto me fere? Rejeito pois fui primeiramente rejeitada. Não escancaro meu afeto porque ele foi vez após vez testado... Soa-me tão sarcástico quando ouço de outrem que sou eu, justo eu, tão gentil por natureza, quem testa o afeto alheio. Choro porque tudo o que mais desejo na vida é aceitação, carinho e amor mas ainda não consigo distinguir com clareza, se o desejo dos outros ou de mim mesma.
  Hoje, depois de 120 dias sem fitar meu sangue eu o desejei como um ser faminto implorando por migalhas, eu gostaria de inundar o mundo com ele, afogar todas as palavras, os julgamentos, o sentimento de vazio e de não se ter valor algum, ver tudo mergulhado em vermelho, na cor da raiva, do pulso, da paixão. Olho em volta e procuro insistente uma saída, um plano para dar a volta por cima, para me re-compor, eu que sempre compus uma ou outra melodia, deveria ser capaz de compor uma música para guiar minha vida... mas não enxergo por entre os acordes, os dedos escorregadios não se arranjam em notas, mas em punhos cerrados. Está tudo tão entrelaçado, como os pontos no meu braço, tudo amarrado, em laços de sangue. Cortaram-me o cordão umbilical mas hoje  gostaria de tê-lo cortado eu mesma, com os dentes, para que não me visse ainda com ele no pescoço, como o nó da forca que tanto fantasio. Rasguei minha pele hoje, eu mesma empunhava a lâmina pois a escolhi segurar, mas quem empurrou meu braço foram as palavras daquela que diz que a mim ama, porém quem mais do que qualquer um no mundo me faz querer deixar de existir.

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