Acendi um cigarro sentada na mureta em frente ao meu
apartamento. Gosto desses momentos em que posso fingir que não tenho nada para
fazer e tirar cinco minutos para sentar à toa, observando baforadas juntarem-se
à espuma do mar que observo. Dá-me um sentimento de pertencer a algo, sabe?
Sentar ali, observar transeuntes e a sinfonia grotesca que se forma na esquina
ao lado: carros e motos e ônibus e viaturas e caminhões e cachorros e vizinhas
que fofocam. Sou parte de algo sim, só não sei ao certo nomeá-lo ainda. Arrisco
dizer que seja algo parecido com uma resistência, uma arquibancada crítica
perante essa vida cosmopolita caótica adornada de ilustres – falsos –
moralismos e discursos – vazios – panfletistas.
Distrai-me por alguns minutos com a aparências
abatida de um velho vestido impecavelmente. Era notável o capricho com que suas
roupas eram passadas e o suspensório irritantemente alinhado de forma que suas
alças ficassem igualmente distantes do umbigo. Há pessoas que realmente não
alcançam determinado patamar de pensamentos e interesses, resignando-se a
detalhes tão fúteis e pomposos como o alinhamento das alças de um suspensório,
por exemplo. Segui o caminhar caquético do senhor-do-suspensório e percebi que
havia parado para apanhar o jornal do dia... “Ah! Óbvio!”, pensei. Não teria de
haver qualquer outro motivo para um idoso colocar-se a caminhar neste horário
todo bem vestido esobretudo: sem a companhia de um cachorro. Impressiona-me a
quantidade de cachorros residentes neste bairro-vilarejo em que moro, quase
todos eles companheiros inseparáveis de velhinhos e velhinhas solitárias que
precisam depositar seu afeto em alguém ou alguma coisa... Além, claro, da bela
desculpa para caminhar que pode ser um pequeno peludo que precisa fazer suas necessidades
e, de preferência, na rua. Excluindo os idosos-dos-cachorros há uma segunda
classe, os idosos-foie-gras: senhorinhas que maquiam-se as nove horas da manhã
e vestem blazers de cores pastel,
geralmente salmão. Muito provavelmente o senhor-do-suspensório nada mais era do
que cônjuge de uma idosa-foie-gras atrás de algum entretenimento que se
encontra nestes jornais populares cheios de títulos sarcásticos e mulheres
seminuas. Confesso que aceitaria um desses naquele momento para me acompanhar o
cigarro, renderam-me por vezes boas risadas.
Com
os olhos pousados na banca de revistas meu olhar é rapidamente atraído para os
corpos divinamente esculpidos de homens e mulheres nas capas de revistas. São todos sempre
tão bonitos! Feminista e crítica e atenciosa que sou, resolvi reparar nos hot topics do momento em revistas
voltadas especialmente para o público feminino. Arrependi-me imediatamente ao
perceber que todas, t-o-d-a-s as capas possuíam a receita para um corpo
perfeito em um mês, uma dieta inovadora, um novo suco poderozérrimo que além de
detox estimula o seu metabolismo e, uma a uma, cada capa dessas golpeou-me com
um soco no estômago por vez. Revoltante essa ideia de que meu corpo tem que ser
de determinada maneira para agradar alguém e para que eu consigo alguma coisa –
qualquer coisa! – na vida... Espero não me tornar uma idosa foie-gras casada com um senhor-de-suspensório.
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