21 de jun. de 2014

Um dia na Urca

Acendi um cigarro sentada na mureta em frente ao meu apartamento. Gosto desses momentos em que posso fingir que não tenho nada para fazer e tirar cinco minutos para sentar à toa, observando baforadas juntarem-se à espuma do mar que observo. Dá-me um sentimento de pertencer a algo, sabe? Sentar ali, observar transeuntes e a sinfonia grotesca que se forma na esquina ao lado: carros e motos e ônibus e viaturas e caminhões e cachorros e vizinhas que fofocam. Sou parte de algo sim, só não sei ao certo nomeá-lo ainda. Arrisco dizer que seja algo parecido com uma resistência, uma arquibancada crítica perante essa vida cosmopolita caótica adornada de ilustres – falsos – moralismos e discursos – vazios – panfletistas.
         Distrai-me por alguns minutos com a aparências abatida de um velho vestido impecavelmente. Era notável o capricho com que suas roupas eram passadas e o suspensório irritantemente alinhado de forma que suas alças ficassem igualmente distantes do umbigo. Há pessoas que realmente não alcançam determinado patamar de pensamentos e interesses, resignando-se a detalhes tão fúteis e pomposos como o alinhamento das alças de um suspensório, por exemplo. Segui o caminhar caquético do senhor-do-suspensório e percebi que havia parado para apanhar o jornal do dia... “Ah! Óbvio!”, pensei. Não teria de haver qualquer outro motivo para um idoso colocar-se a caminhar neste horário todo bem vestido esobretudo: sem a companhia de um cachorro. Impressiona-me a quantidade de cachorros residentes neste bairro-vilarejo em que moro, quase todos eles companheiros inseparáveis de velhinhos e velhinhas solitárias que precisam depositar seu afeto em alguém ou alguma coisa... Além, claro, da bela desculpa para caminhar que pode ser um pequeno peludo que precisa fazer suas necessidades e, de preferência, na rua. Excluindo os idosos-dos-cachorros há uma segunda classe, os idosos-foie-gras: senhorinhas que maquiam-se as nove horas da manhã e vestem blazers de cores pastel, geralmente salmão. Muito provavelmente o senhor-do-suspensório nada mais era do que cônjuge de uma idosa-foie-gras atrás de algum entretenimento que se encontra nestes jornais populares cheios de títulos sarcásticos e mulheres seminuas. Confesso que aceitaria um desses naquele momento para me acompanhar o cigarro, renderam-me por vezes boas risadas.
            Com os olhos pousados na banca de revistas meu olhar é rapidamente atraído para os corpos divinamente esculpidos de homens e mulheres nas capas de revistas. São todos sempre tão bonitos! Feminista e crítica e atenciosa que sou, resolvi reparar nos hot topics do momento em revistas voltadas especialmente para o público feminino. Arrependi-me imediatamente ao perceber que todas, t-o-d-a-s as capas possuíam a receita para um corpo perfeito em um mês, uma dieta inovadora, um novo suco poderozérrimo que além de detox estimula o seu metabolismo e, uma a uma, cada capa dessas golpeou-me com um soco no estômago por vez. Revoltante essa ideia de que meu corpo tem que ser de determinada maneira para agradar alguém e para que eu consigo alguma coisa – qualquer coisa! – na vida... Espero não me tornar uma idosa foie-gras casada com um senhor-de-suspensório.

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