27 de jun. de 2014

Combustão Interna

          Os acordes de uma música qualquer me remetem aos acordes que um dia eu combinei pra te cantar; a posição que me deito acaba por lembrar-me de como eu deitava ao seu lado, do nosso encaixe excepcional; Quando escovo os dentes lembro da sua escova sempre – sempre! – já gasta e do quanto isso me incomodava; Me aventuro na cozinha e assim que uma gota é derramada, ouço de longe sua risada jocosa...Há sempre um ou outro detalhe inflamável  durante meu dia que vai trazê-lo nem que seja por  apenas alguns segundos para perto de mim e eu, acuada, tenho a mais que rápida reação de chacoalhar a cabeça, apagar aquela lembrança. Às vezes juro que consigo! Juro que se eu me imaginar apertando o botão de “delete” assim que uma memória me assombra ela desaparece para sempre... Amiúde, elas retornam. Ninguém me machuca... Será? Senti-me segura ao me mudar. Neste novo apartamento, nestes novos móveis até pouco não tinha nada de teu. Era um novo lugar, um recomeço. Agora não mais. Contaminaste até mesmo aqui, onde eu estava salva. Cada canto desse quarto tem um pouco de ti: a fronha que um dia esteve sob teu rosto agora arde ao encostar no meu; o chuveiro – meu canto preferido no mundo – agora te tem sentado me encarando até mesmo quando estou sozinha. Abri meu castelo mórbido para tua presença morna e agora que já me deixaste a flama e partiu, tudo agora queima e meu castelo se desfaz em cinzas. Eu queimo e pereço junto dele e das memórias e, ironicamente, sou eu queimando um fósforo após o outro, querendo destruir todo e qualquer rastro do que já fomos nós.

21 de jun. de 2014

A vida imita a arte

Nasci e fui criada no meio da arte:
Mamãe sempre teve o dom de pintar na cara o sorriso quando quis chorar;
Papai, então! Sabia mesclar tão bem as cores que dava impressão de tirar leite de pedra;
Irmã sempre foi cor pastel, por dentro quem sabe uma Noite Estrelada...
Eu sempre fui meio esboço, sempre mudando um pouco o traço:
Ora respondia pincelada, ora manifestava o Sagazan;
Por vezes minha alma esfarelava feito carvão em canson
Outrora me via aquarela dançante.
Dos cavaletes feitos dessa árvore genealógica, sempre acreditei ser o mais tosco.
Ser Dadaísta em um meio Beaux-Arts - polimorfo e intrigante.
De concreto em minha obra só que não sou Concretismo
Sei que as vezes meu lado Tenebrista aflorou forte
Mas perdoado o maniqueísmo sei que pintou n'alma um Expressionismo
Tracei veemente sobre a pele, todos os quadros cor púrpura
Desculpa mas discordo, eu que nasci no meio de vocês declaro:
A arte é que imita a vida.


Um dia na Urca

Acendi um cigarro sentada na mureta em frente ao meu apartamento. Gosto desses momentos em que posso fingir que não tenho nada para fazer e tirar cinco minutos para sentar à toa, observando baforadas juntarem-se à espuma do mar que observo. Dá-me um sentimento de pertencer a algo, sabe? Sentar ali, observar transeuntes e a sinfonia grotesca que se forma na esquina ao lado: carros e motos e ônibus e viaturas e caminhões e cachorros e vizinhas que fofocam. Sou parte de algo sim, só não sei ao certo nomeá-lo ainda. Arrisco dizer que seja algo parecido com uma resistência, uma arquibancada crítica perante essa vida cosmopolita caótica adornada de ilustres – falsos – moralismos e discursos – vazios – panfletistas.
         Distrai-me por alguns minutos com a aparências abatida de um velho vestido impecavelmente. Era notável o capricho com que suas roupas eram passadas e o suspensório irritantemente alinhado de forma que suas alças ficassem igualmente distantes do umbigo. Há pessoas que realmente não alcançam determinado patamar de pensamentos e interesses, resignando-se a detalhes tão fúteis e pomposos como o alinhamento das alças de um suspensório, por exemplo. Segui o caminhar caquético do senhor-do-suspensório e percebi que havia parado para apanhar o jornal do dia... “Ah! Óbvio!”, pensei. Não teria de haver qualquer outro motivo para um idoso colocar-se a caminhar neste horário todo bem vestido esobretudo: sem a companhia de um cachorro. Impressiona-me a quantidade de cachorros residentes neste bairro-vilarejo em que moro, quase todos eles companheiros inseparáveis de velhinhos e velhinhas solitárias que precisam depositar seu afeto em alguém ou alguma coisa... Além, claro, da bela desculpa para caminhar que pode ser um pequeno peludo que precisa fazer suas necessidades e, de preferência, na rua. Excluindo os idosos-dos-cachorros há uma segunda classe, os idosos-foie-gras: senhorinhas que maquiam-se as nove horas da manhã e vestem blazers de cores pastel, geralmente salmão. Muito provavelmente o senhor-do-suspensório nada mais era do que cônjuge de uma idosa-foie-gras atrás de algum entretenimento que se encontra nestes jornais populares cheios de títulos sarcásticos e mulheres seminuas. Confesso que aceitaria um desses naquele momento para me acompanhar o cigarro, renderam-me por vezes boas risadas.
            Com os olhos pousados na banca de revistas meu olhar é rapidamente atraído para os corpos divinamente esculpidos de homens e mulheres nas capas de revistas. São todos sempre tão bonitos! Feminista e crítica e atenciosa que sou, resolvi reparar nos hot topics do momento em revistas voltadas especialmente para o público feminino. Arrependi-me imediatamente ao perceber que todas, t-o-d-a-s as capas possuíam a receita para um corpo perfeito em um mês, uma dieta inovadora, um novo suco poderozérrimo que além de detox estimula o seu metabolismo e, uma a uma, cada capa dessas golpeou-me com um soco no estômago por vez. Revoltante essa ideia de que meu corpo tem que ser de determinada maneira para agradar alguém e para que eu consigo alguma coisa – qualquer coisa! – na vida... Espero não me tornar uma idosa foie-gras casada com um senhor-de-suspensório.

20 de jun. de 2014

De mãos vazias

Como é fácil, como é cômodo simplesmente largar a mão daquilo que se diz. Qual é mesmo o valor das palavras? Eu, que sempre fui facilmente tocada por qualquer frase caprichada, com um requinte ímpar, vejo espalhado no chão uma coleção de frases tuas. Guardei, uma a uma, e as repetia baixinho na mente. Me mantinha viva, sabe? Pelo menos eu achei que me mantinha viva dentro de ti. Diz-me então qual o valor das tuas palavras, amor? Porque eu em minha frágil posição não posso dizer. Sou outra, sou distância, sou possibilidade... Enquanto me foste certeza, desejo, pureza. O que explica essa disparidade? Tens aí guardada uma oração enfeitada que me faça por vez entender? De que me valem tuas palavras se quase sempre eu mesma as proclamei à mim, vez após vez, quando poderías tu ter me embalado em conforto e carinho. Partiste e já não deixas mais nenhum sinal de vida dentro da minha, virou-se assim tão facilmente, como quem vira a página de um livro calmamente, sem remorso. É este então o nosso epílogo? Tu viras a página e eu fecho o livro? Te digo coisas que por vezes não queres ouvir e isso é legítimo, mas me disseste coisas que não fizeste cumprir. A quem devo conceder a palavra final, aquela que pontuará nossa história? Nunca quis que fosse desta maneira, quem diria que estaria aqui em plena prosa saudosa quando poderia te destilar mil e um poemas te olhando os olhos. Beijando-te os olhos. Por que, bonito, por que não ages conforme diz? Por que cais no clichê? Aliás, por que eu permaneço nesse clichê de menina sofrida, ao léu, chorando as promessas do pretendente? Não estou em um romance de Balzac e tu não vais quebrar a porta e irradiar tua luz e calor apartamento adentro. Não estamos em um livro e se caso fosse, tampouco seria Balzaquiano... só queria chacoalhar-te dos pés a cabeça perguntando por que, e que essas duas palavras ecoassem incessantes no teu ser até que pudesses abrir a boca e baforar nem que fosse um só motivo plausível, que me fizesse crer que o que me dizes nessa hora é verdade e tudo o que me foi dito antes de nada vale. Assim eu poderia seguir, sem fingir que ainda seguro tua mão, que visivelmente perdeu-se da minha.
Perderam-se as mãos, as palavras, a esperança.
Te escrevo agora enquanto te visto e ainda lembro de promessas... Me pergunto o que houve com elas.

Beijinho no Ombro.

Então vai, mas leva contigo tudo que resolveu trazer nos braços quando veio ao meu encontro, que fez como um presente envolto em laços já antigos, aprumados do seu jeito meigo, como o de quem me coloca em um pedestal.
Vai e vai depressa, não vire em sequer um momento nem capitule, segue teu rumo e leva, leva embora todos os desenhos invisíveis na parede, que pendurei para sempre me lembrar que um dia houve um plano e, que esse plano, era contigo desbravar o mundo, mesmo que o meu e o teu, em uma galáxia particular.
Se te entreguei as costas foi para esconder o peito que até parece, sabe o quê?
...Capacho, de tanta solada de graça;
...Lenço-de-bolso-, de tanto escarro;
...Tábua de tiro ao Álvaro.
Eu sou judoca, amado. Se há algo no mundo de que entendo é de dar as costas. É mais fácil assim! Mas veja bem o que te custas um afago? Porque não pedes que me vire?
- Pois viro, meu amor!
É demais!! Me deu as costas igualmente, assinalou arritmado o passo da partida,  tirando todo o sorriso que um dia houve de estar em meu caminho, me obrigando assim a deixar passar e a desfilar com minha dor.
Se te foi fácil partir que vá tranquilo, que saibas, meu querido, que mesmo que aqui nada teu permaneça, no teu peito fiz morada e onde estiveres te acompanho. Sou aquela voz que te acorda na madrugada, aquela da qual sentes falta na alvorada, aquelaa que escutas no gemido das outras pobres meninas. Hei de atormentar-te e sempre lembrar que partistes assim, como quem vai à esquina comprar pão e não torna.
Gostaria mesmo que tu me tivesses virado num impulso veemente, me implorasses estadia e eu, magnânima, apaixonada, lhe concederia minha vida.
-Perdeu playbloy!
Quando eu me chamar saudade... no teu peito ainda reinarei e tu aos prantos, coitado:
- Tem piedade!